sábado, 6 de outubro de 2007

trancado

esta é uma história verídica nos mínimos ridículos detalhes...

Em quinze minutos tenho que sair pra abrir o bar, então penso “tenho tempo pra um banho rápido”. Tiro a roupa no quarto, como de costume, pego o celular, como de costume, e entro no banheiro. Como de costume, mesmo sozinho no apê, fecho e tranco a porta (porque de outra forma uma fresta ficaria aberta e o fugaz prazer do banho quente se estragaria com o vento frio que sempre circula no apartamento). No lugar de uma chave, a porta do banheiro conta com uma gasta tranca dessas já fixas no trinco e quando eu a giro ouço e sinto um clic incomum. Na mesma hora, lembro do amigo que me visitara na noite anterior e reclamara de ter tido dificuldade para destrancar a porta do banheiro na hora de sair. Gentilmente, com esperança de que o clic tivesse sido só uma impressão, mas ao mesmo tempo, pressentindo o desastre, tento girar a tranca no sentido contrário. Nada. Tento com mais força. Nada. Solto o trinco, reflito por meio segundo e tento com mais força ainda, com as duas mãos. A tranca sai na minha mão. Na porta permanece apenas um “toquinho” de ferro muito pequeno.
Pego o celular e ligo para Sandro, pedindo que abra o bar para mim e que, se possível dê uma passada pra me ajudar a sair do banheiro.
Enquanto dou uma mijada, avalio a situação. Sozinho no apartamento. Ninguém tem cópias das minhas chaves, logo, para alguém chegar até aqui e me ajudar com a porta do banheiro, será preciso primeiro passar pela porta trancada do apartamento. Tudo bem. Se estivesse sem o celular a situação seria pior. Ficaria aqui por muito mais tempo até que alguém resolvesse invadir o apartamento para me procurar, ou pior, teria que gritar como uma menininha pela janela do banheiro até que algum vizinho ouvisse.
Sandro deve demorar pois está longe do bar, por isso, tomo um banho, sem me preocupar que seja um banho rápido.
Vinte minutos depois saio do banho. Penso na humilhação de ser resgatado nu do banheiro por um chaveiro desconhecido, bombeiros, vizinhos, minha família e amigos. Todos muito preocupados, ou rindo muito. Me lembro de tudo o que Mcgyver conseguia fazer com as coisas que tinha a mão. Começo a olhar ao redor, analisar o que posso usar. Tenho uma toalha de rosto, uma de corpo, escova de cabelo, cortador de unhas, desodorante, lâmina de barbear, xampu, sabonete, saboneteira, lixeira, algodão, band-aid, escova de dentes, pasta de dentes... Impossível fazer uma bomba. Pelo menos eu não sei como.
Pego o cortador de unhas e prendo como uma alicate ao toquinho que sobrou da tranca. Ele prende bem mas não gira, afinal o problema em si não estava no fato da tranca ter quebrado e sim no fato dela não girar. Detono a lâmina do cortador tentando usá-lo como alicate.
Uso a lixa embutida no cortador para lentamente desparafusar o espelho de metal do trinco. Romovo o pino que segura o trinco e o puxo inteiro para dentro, fazendo com que a outra ponta caia do outro lado da porta. Pronto, agora se eu conseguisse passar por esse buraco estaria fora.
Mesmo sabendo que o espelho de metal tem uma função basicamente estética na porta eu termino de arrancá-lo com as unhas, me cortando um pouco no processo. O toquinho da tranca sai junto, tenho agora dois buracos para ver lá fora e a porta continua trancada.
Sinto a adrenalina subir, penso: “ah, que se foda, vou derrubar essa merda”. Tomo fôlego e dou um pontapé com o pé descalço na altura do trinco. Nada além de dor. Tomo um passo de distância e jogo o ombro contra a porta. Mais dor. Tomo dois passos de distância (o máximo nesse banheiro) e me lanço em outro pontapé com mais energia ainda que o primeiro, mas o chão escorregadio mina o meu ataque e o pé chega sem convicção na porta. Dor. Tento mais algumas vezes, pensando que talvez os golpes repetidos consigam causar algum dano enfim. E eles causam... a mim.
Volto ao cortador de unhas e junto ele à escova de cabelos para criar uma espécia de kit de ferramentas para executar um novo plano. Encosto a lâmina do cortador de unhas na cabeça do pino mais alto que une a porta à dobradiça mais alta. São três pinos que seguram a porta. Com o cabo da escova de cabelos começo a golpear a extremidade inferior do cortador de unhas, como uma marreta golpeando uma talhadeira ou formão. Os golpes são muito imprecisos. Acerto a própria mão várias vezes com o cabo da escova. Escoriações leves. Depois de alguns minutos sento no vaso para descansar.
Paulinho, o Zelador, avisado da situação por Sandro, aparece na janela do corredor do meu andar e se comunica aos gritos para saber o que pode fazer para me ajudar. Começo a gritar meu plano, bolado durante as outras tentativas frustradas.
Basicamente, peço que me consiga ferramentas de verdade (que ele também não tem) para subtrair os pinos que prendem a porta e assim me libertar afinal. Paulinho precisa ir ao bar para conseguir as ferramentas com Daniel, depois deve colocá-las em um saco plástico amarrado a uma corda, subir ao terraço e descê-las para mim pela janela do banheiro.
Meia hora depois, de posse das ferramentas, martelo e talhadeira, começo o trabalho de retirada dos pinos. O trabalho é duro, muita tinta nos pinos, estão bem colados às dobradiças. As marteladas são violentas. Reboco das paredes e lascas de tinta da porta cobrem o chão. Mas um a um eles saem.
Pinos no chão, a porta se mantém unida ao batente apenas pela maldita tranca. Percebo que não tenho onde pegar na porta para puxá-la para dentro e fazer com que se desconecte do batente. Ela está ali, sem pinos e não há ninguém para empurrá-la do outro lado. Tento fazer uma alavanca no canto superior da porta com a talhadeira, emprego muita força e ela quase não se move. Tento o canto inferior, a porta cede mais, entorta, começa a lascar e volta ao lugar com violência, desprezando a talhadeira e me lançando nu, de costas, chocar as costelas no bidê e desconectá-lo do chão do banheiro. Tento ainda mais uma vez a alavanca com a talhadeira que se parte ao meio, deixando uma parte encravada no vão da porta.
Esmurro e chuto a porta mais algumas vezes.
Me sentindo derrotado, ligo para Daniel e peço que venha com um chaveiro, abrir meu apartamento e empurrar a porta do banheiro. Me sento por alguns minutos no vaso e amaldiçôo Mcgyver.
De repente, a revolta toma conta de mim. Agarro o martelo e cravo a parte de trás, como uma picareta no canto superior da porta. Grito e puxo com as duas mãos e toda a força restante. A porta cede e vem para dentro do banheiro, com boa parte do batente. A destruição no banheiro é flagrante. O sentimento de vitória sobre a conspiração do universo pra me sacanear é indescritivelmente bom.
Ligo e aviso que o chaveiro não é mais necessário.

2 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Nossa Gui...que aventura!! O mais interessante é ver o quanto voce é persistente!fiquei me imaginando na situaçao..rsrs..acho que ia tentar ficar calma, fazer aqueles relaxamentos que aplico nos meus clientes ansiosos..mas...eu me conheço..ia chorar...me desesperar..rs... que meus clientes não leiam isso!! Voce ainda tinha um celular...eu com certeza nem o teria junto comigo, ou seja, acho que ia ter crises de panico..kkkk... Meus parabens por vencer esses acidentes da vida cotidiana e da próxima vez, ouça o tal do amigo e arrume o problema antes que ele vire um problemao de verdade!!!rsrs beijos!